Solenidade de Cristo, Rei do Universo

Avisos da Semana
novembro 16, 2018
Programação
novembro 23, 2018

Solenidade de Cristo, Rei do Universo

(Jo 18,33-37)
O rei da mentira x A verdade do Rei

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

A hodierna solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do universo, muito bem situada pela reforma litúrgica do Concílio Vaticano II no encerramento do ciclo dominical do ano litúrgico, evidencia ainda mais a fé que professamos a cada Eucaristia: Cristo como centro e Senhor da história (1ª leitura). Nele, toda a criação e a humanidade se encontram e encontram a sua razão de ser, pois Ele é o Alfa e o Ômega (2ª leitura). Apesar de não se identificar com nenhum reinado deste mundo, Ele é verdadeiro Rei, pois sua autoridade está fundamentada na verdade: “Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade”, e não no poder garantido pela mentira e sustentado por ideologias falsificadoras da realidade. Verdade que não é simplesmente a coincidência entre ideias e realidades que se correspondem superficialmente. Mas a verdade é a sua Pessoa comprometida com a vida, pela qual aceita morrer, para viver e reinar eternamente.

A perícope desta solenidade é uma das portas principais para compreender toda a narração joanina da paixão, morte de ressurreição de Jesus (Jo 18–20). Estamos diante de um dos maiores dramas da humanidade em toda a sua história: reconhecer a verdade e morrer por ela, para que a vida reine, ou abraçar a mentira e condenar à morte uma multidão de inocentes. Contudo, apesar de o império da mentira parecer vencedor, o reino da verdade já foi estabelecido. Não há o que duvidar, pois a dúvida engendra derrotados, enquanto que a fé na verdade dá à luz os vitoriosos.

Diante de Jesus, que é a Verdade (Jo 14,6), a mentira é desmascarada e anuncia-se, desta forma, a sua derrota: “Este é o julgamento: a luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas à luz… Mas quem age segundo a verdade aproxima-se da luz, para que se manifeste que as suas obras são feitas em Deus” (Jo 3,19-21).

Pilatos, ao interrogar Jesus sobre as acusações feitas contra Ele, torna-se o porta-voz de três mentiras denunciadas ao longo da narração. Mentiras não apenas de caráter pessoal, mas de abrangência universal. A história humana está marcada por uma constante ambiguidade, vive a tensão entre optar pela mentira que escraviza ou reconhecer e assumir a verdade que liberta.

Primeira mentira: És o rei dos Judeus? Esta pergunta indica uma das grandes manobras ideológicas de todos os tempos para distorcer sutilmente a verdade, isto é, induzir o outro a assumir a mentira com suas próprias palavras e atitudes. A guerra semântica dos nossos dias é o terreno mais propício para promover a confusão e, consequentemente, fazer passar a mentira como verdade absoluta. Semelhante situação se deu quando a serpente no paraíso quis induzir Eva a afirmar ser Palavra de Deus, o que na verdade, era uma mentira sua. Para convencer a mulher, introduziu sua pergunta com as palavras: “Então Deus disse: Vós não podeis comer do fruto das árvores…” (Gn 3,1). Num primeiro momento, Eva reage e corrige a serpente, esclarecendo o que, de fato, Deus lhes havia dito (Gn 2,17). Porém, não perseverou na verdade, apenas reconheceu-a. Na investida seguinte, deixou-se convencer pela mentira do mais astuto e caiu na armadilha. Jesus, ao ser tentado no deserto, também foi induzido pelo diabo a agir conforme a “verdade” do tentador, que afirmando ser Jesus “Filho de Deus”, exigia dele uma falsa prova disso, pois negaria a verdade da sua missão de Messias sofredor, transformando-se em messias triunfalista, sem cruz e sem morte.

Diante da pergunta de Pilatos, Jesus não se deixa enganar, e declara: “Tu dizes: eu sou rei”. Em outras palavras: “quem está dizendo ser rei aqui és tu” (o grego hoti pode ser traduzido por “dois pontos”, tornando assim uma declaração direta). As atitudes de Pilatos confirmam a verdade desta palavra de Jesus. É ele quem está assumindo as prerrogativas de rei (interrogar, julgar, anistiar, condenar), já que na qualidade de governador romano, era o representante do imperador. Por outro lado, o próprio povo o reconhece também como rei, pois exige que julgue e condene Jesus. E se não o fizer, declarar-se-á inimigo do Rei César (Jo 19,12). Consequentemente, respondendo ao pedido do povo, Pilatos assume ser ele mesmo o rei dos judeus. O povo, por sua vez, faz a grande declaração de sua apostasia: “Não temos outro rei senão César” (Jo 19,15) Portanto, não é Jesus quem reivindica para si o título de rei, pois já havia afirmado que não veio para julgar ou condenar o mundo, mas para salvá-lo (Jo 3,17).

Segunda mentira: “Sou por acaso Judeu?” A distorção falaciosa leva a assumir atitudes de negação diante das consequências do confronto com a verdade. Negar a cumplicidade é a maneira mais irresponsável de isentar-se da culpa. Manobra muito utilizada pelos pretensos reis dos nossos dias. No irromper da verdade, valem-se da estratégia da transferência de culpa para terceiros. Não viram nada, não sabem nada, apenas foram pegos de surpresa. A verdade de Jesus não é manipulada, não se deixa convencer por estratégias eficientes para livrar-se das consequências de sua missão. A identidade e a missão não se contradizem. Não há situação que justifique uma possível incoerência com o intuito de livrar a pele. Já no horto quando os soldados chegaram para prendê-lo, Ele não foge, nem se deixa confundir com outro para escapar à prisão, mas pelo contrário, adianta-se e identifica-se por três vezes: “Sou eu” (Jo 18,5.6.8). Os covardes têm medo da verdade, por isso se camuflam e fogem, enquanto que a verdade dá coragem aos injustiçados tornando-os aptos para o enfrentamento.

Terceira mentira: “Nenhuma culpa encontro nele”. Declarar a verdade não significa apenas reconhecê-la teoricamente. Mesmo afirmando ser Jesus inocente, Pilatos não foi suficientemente corajoso para denunciar a mentira das acusações e assumir a verdade. Do ponto de vista oficial, formal, na nossa sociedade muitos dos seus seguimentos, organismos, instituições, estão todos de acordo em relação a grandes urgências e necessidades para o bem comum, mas acabada a reunião, cada um faz o que lhe interessa e convém, em detrimento da verdade proclamada pelos acordos assinados. Pilatos reconhece a verdade, mas não se compromete com ela. Tem medo de pagar o preço pela verdade que se impõe, prefere a mentira para ter garantido o seu lugar na elite dominante, ainda que por pouco tempo, pois o seu sistema apoiado em falsas ideologias não terá outro fim senão o desmoronamento. Dizer que é verdade a inocência de Jesus não era o suficiente para saber o que é verdade. Mas era preciso acolher a palavra libertadora de Jesus, tornando-se discípulo seu. Contudo, não foi capaz de crer naquilo que o Mestre ensinara: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (Jo 8,31-32). Diante da verdade do Cristo-Rei do Universo, os Pilatos de todos os tempos preferem continuar a ser reis da mentira.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *